quinta-feira, 22 de maio de 2014

Nossas mãos teimosas



Estava esfomeado. Tinha à sua frente uma deliciosa sardinha assada. Observou as suas mãos: a esquerda e a direita. Não paravam de discutir entre si. Por isso, ele continuava com fome. Suspirou. A direita insistia em que era capaz de escolher o peixe sozinha. Pegou na faca, mas só conseguiu amassar a sardinha. Veio logo a esquerda, que garantiu ser ela habilitada a resolver o assunto. Não quis ajuda. Agarrou no garfo e esmigalhou ainda mais a sardinha. O Homem assistia, impávido, à destruição do seu alimento. Não queria ser forçado a tomar uma posição, mas a fome não o largava. Tomou, então, o controlo das suas  mãos e exigiu a cooperação inevitável: a esquerda agarrou o garfo e segurou o peixe, enquanto a direita, com a faca, tirou a pele e as espinhas. A fome foi finalmente saciada.

terça-feira, 13 de maio de 2014

As obras do outro, tenho. O gato saltou.


Quando acordei tinha aos meus pés um outro eu, como que um pedaço de alma desprendida de mim mesmo. Olhei-o e em tudo era igual. E o meu outro eu fazia o que me lembrava, instantes depois, de ter sido eu próprio a fazer. Ouvi um miado. Uma redoma à minha volta dilatava-se num ritmo cardíaco. Um solavanco e outro miado. Outro miado e um solavanco. O vermelho do céu e da terra unia-nos, a mim e ao meu outro, como cordões bem apertados a este mundo. Outro solavanco... uma luz... e... o gato saltou...

sábado, 10 de maio de 2014

O Homem cobarde




Sabia como resolver o problema e sabia qual a atitude certa a tomar. Fez até menções de falar, mas depois pensou:
- Para quê?
Então encolheu os ombros e calou-se. Preferiu ignorar, seguindo em frente como se nada fosse.